sexta-feira, 19 de outubro de 2007

A Dor


Vivemos num mundo de opostos: o dia e a noite, a chuva e o sol, o bem e o mal e assim por diante; mas todos procuramos o lado bom da vida. Fomos ensinados assim, a viver sempre na expectativa do melhor e a celebrar os momentos risonhos com pompa e circunstância. Mas então e a dor? Ninguém nos ensinou a celebrar a dor. Melhor dito, ninguém nos ensinou a processar a dor, a passar por ela, a aprender com ela e finalmente a ultrapassá-la. Assim, como não sabemos o que fazer com ela, regra geral, disfarçamo-la.
Serve quase tudo desde rir, ir ao cinema, ir às compras, ir a uma festa...enfim, tudo menos sentir a dor, ouvi-la e perceber o que ela nos pede.
Perdemos deste modo muitas oportunidades de saber o que a dor tem para nos dar.
Do meu ponto de vista a dor tem inúmeras funções, nomeadamente, devolver-nos à nossa condição essencial de seres humanos, fazendo-nos encarar e aceitar as nossas fragilidades. Não creio, contudo, que passar pela dor seja obrigatoriamente sinónimo de sofrimento e auto-comiseração, pelo contrário, acho que é uma forma de promovermos o auto-respeito e o senso de humildade. Acredito ainda, que se aprendêssemos finalmente a vivênciar a dor, não como uma coisa má mas como algo que faz parte da experiência de vida de todos nós, haveria certamente maior sinceridade, abertura e compaixão nas relações humanas.
Enquanto tal não acontece, vivemos numa sociedade onde a dor cresce amordaçada. Não é pois de admirar que de vez em quando, a dor de alguém, inteira e nunca tratada, rebente como um grito calado por muito tempo, sob a forma de tiroteio, suicídio ou ataque de coração.
Dar atenção à dor não é preservá-la, é antes dar-lhe sentido e usá-la em nosso favor para que nos conduza até às nossas feridas mais profundas, pois só indo lá, onde dói, poderemos promover a cura.

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